(...)
A
urgência é ainda imóvel mas já tem um tremor dentro. Lóri não percebe que o
tremor é seu, como não percebera que aquilo que a queimava não era o fim da
tarde encalorada, e sim o seu calor humano. Ela só percebe que agora alguma
coisa vai mudar, que choverá ou cairá a noite. Mas não suporta a espera de uma
passagem, e antes da chuva cair, o diamante dos olhos se liquefaz em duas
lágrimas.
E
enfim o céu se abranda.
Lóri ligou o número de telefone:
— Não poderei ir, Ulisses, não
estou bem. Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
— É fisicamente que você não está
bem?
Ela
respondeu que não tinha nada físico. Então ele
disse:
— Lóri, disse Ulisses, e de
repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que
aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se
deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar
de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que
insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na
rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo
desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu
quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não
venha, esperarei quanto tempo for preciso.
(...)
Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres