quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

X





(...)

Que eu errei em alguma parte do processo é indiscutível, só estou ligando pela quinta vez porque quero saber mais ou menos onde foi. Talvez eu não tenha me dado conta que no segundo refrigerante na praça nosso relacionamento já havia caído num marasmo, mas você podia ter falado comigo, eu daria um jeito de ter querido suco de laranja ou, quem sabe, poderíamos buscar algum aconselhamento para casais atravessando a crise dos sete dias - com tantos amores não passando da primeira semana, já deve existir algum especialista na área.

Mas eu segui em frente, por mim e por nós dois. Comecei a fingir que você estava ali ainda, cozinhando alguma coisa no seu fogão bacana enquanto cantarolava Al Green e eu passava os 109 canais no seu sofá, com a cara de tédio que nasceu comigo. Eu até falo contigo, como se você fosse minha samambaia. Parece triste, mas ficou mais fácil e confortável assim. Ficou perfeito, na verdade. Porque você foi perfeito até onde soube responder meu chamado, e continuou perfeito nas minhas utopias.

Existem aqueles dias radiantes que a gente acha que sente que chegou a hora. Só que na maioria deles, a realidade tem preguiça de superar os sonhos mágicos desse meu coração, esse que também serve de depósito para restos de amores que me acertam de raspão. Olha, não sei qual dói mais. Quando acaba, quando sentimos que acabou, ou quando a gente precisa cair na real que acabou e já faz tempo.

NUNES, Gabito. Trecho de Raspas e restos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

01h35



"Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido." (Pablo Neruda)


- Sabe? A maior besteira que fazemos com nós mesmos e com quem amamos, é colocar nas mãos dessas pessoas a nossa felicidade. Como podemos olhar para dentro e em volta de nós, e cometermos o pecado de achar que temos pouco, quando, na verdade, temos plena consciência de que temos tudo o mais de que precisamos?
- Às vezes, esse 'tudo' não foi feito pra você. Há um abismo entre a cabeça e o coração. No peito não cabe bom senso.
- Ninguém pode nos amar mais do que nosso próprio coração, e tampouco podemos amar a outrem mais do que a nós mesmos.
- Você acha mesmo que não é possível amar alguém mais do que a nós mesmos?
- Digo-lhe que acho, sim. Mostre-me um amor isento de expectativas e talvez eu pense diferente. Porque, no fundo, o que desejamos com o amor não é simplesmente 'amar'; é, principalmente, satisfazer a nós mesmos e com isso dizermo-nos felizes.
- Não tente entender. Nisso, não há lógica. Você não vai pensar diferente porque não há amor sem expectativas. 'Amar' requer reciprocidade, e somos humanos demais para entender que, de amor mesmo, nada se exige.
- Lógica alguma, realmente não há. E agora estou envolta em pensamentos desconexos que pouco dizem. Hoje, apenas não sei.
- O amor é escorregadio, mas não foge dos limites do coração. Vai doer mais um pouco, mas deixe o sangue escorrer. Hoje, não saiba. Só sinta.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

XIII


Conversando com um amigo sobre as circunstâncias nefastas da vida, lembrei de que tudo está passível de escolha. Falando disso, lembrei ainda da alegoria da Morte. Quando praticava a Cartomancia, era sempre surpreendente a aparição dessa carta no jogo, especialmente porque em minhas frequentes auto-consultas, esse arcano fazia questão de dar o ar de sua graça.
O arcano XIII do tarot de Marselha é representado pela personificação da Morte, uma figura descarnada, segurando uma foice e que caminha sobre um campo de corpos despedaçados. A visão forte da foice cortando a perna do esqueleto apenas ilustra o tamanho da dor de ter que tomar uma decisão importante, ou mesmo a dificuldade de se escolher entre dois caminhos aparentemente indissociáveis. Essa alegoria também representa a transformação, ainda que a partir de uma destruição. Para ela, é preciso perder para ganhar.
A Morte é justa e niveladora, e isso é um tanto difícil de compreender. Quando falamos dela, lembramos da dor, mas esquecemos da libertação. Assim como Cronos, o deus do Tempo, ela poda as árvores para que novos galhos nasçam. É o momento da reavaliação, da conformidade com o término de algo que tinha dia e hora pra acabar. É dia de ter que decidir, mesmo que a dor seja excruciante, antes que o tempo e a hesitação retirem o poder de escolha. É o tempo de brincar de Morte, pegar a foice, cortar a própria perna e esperar a recompensa.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Duo





- Tudo... Tem que estar, não é? E você?
- Tudo bem comigo... Tem que estar, não é? (risos)
- (risos) Por que tem que estar?
- Porque ficar mal não dá!
- É verdade. Engraçado...
- O quê?
- A gente fica mal porque quer, não é?
- É...
- Se for pensar direito, é tudo uma questão de se deixar levar pela dor... É como ter fé ou não.
- É... Eu não me permito entregar à dor. Dói, mas passa.
- Às vezes, eu me entrego.
- Eu sei.
- Tenho muitas teorias, mas sigo algumas ou por preguiça, ou por esperar que seja natural.
- Às vezes não se consegue fugir da dor. Mas ela não me pega por muito tempo, a não ser que seja uma exceção. Há dores que doem mais...
- Acho que não estou muito bem. Estou divagando demais...
- Não está bem como assim?
- Não estou bem fisicamente... Mas acho que minha alma anda meio carregada.
- Carregada de quê? De dores?
- Sei lá... Acho que é porque quero levar a vida do jeito que quero.
- E aí você está vendo que do jeito que quer não dá...?
- Não é que não dê. Mas não gosto da ideia de ter que seguir do jeito que a vida quer.
- Hum... Entendo bem o que quer dizer.
- Mas eu sou meio insistente.
- Eu acredito nisso.
- Pois é.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Uma aprendizagem





(...)
A urgência é ainda imóvel mas já tem um tremor dentro. Lóri não percebe que o tremor é seu, como não percebera que aquilo que a queimava não era o fim da tarde encalorada, e sim o seu calor humano. Ela só percebe que agora alguma coisa vai mudar, que choverá ou cairá a noite. Mas não suporta a espera de uma passagem, e antes da chuva cair, o diamante dos olhos se liquefaz em duas lágrimas.
E enfim o céu se abranda.
Lóri ligou o número de telefone:
— Não poderei ir, Ulisses, não estou bem. Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
— É fisicamente que você não está bem?
Ela respondeu que não tinha nada físico. Então ele disse:
— Lóri, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
(...)

Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Revés




Consagro-te todo o meu tempo 
porque ocupa-me todo o coração.

"Consagra-me todo o seu tempo porque ocupo-lhe todo o coração." (Victor Hugo)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Infinito Plus




"Como é horrível a ideia do nada. Quanto se deve lamentar aqueles que creem que a voz do amigo que chora seu amigo se perde no vazio e não encontra nenhum eco para lhe responder. Jamais conheceram as puras e santas afeições, aqueles que pensam que tudo morre com o corpo; que o gênio que iluminou o mundo com a sua vasta inteligência é um jogo da matéria que se extingue para sempre, como um sopro; que do ser mais querido, de um pai, de uma mãe ou de um filho adorado, não resta senão um pouco de pó que o tempo dissipa para sempre.
Como um homem de coração pode permanecer frio a esse pensamento? Como a ideia de um aniquilamento absoluto não lhe gela de pavor e não lhe faz ao menos desejar que não seja assim?
(...)"
Allan Kardec

Amo você, amigo! A gente se vê.